terça-feira, 29 de abril de 2008

Software Livre e o verdadeiro acesso ao conhecimento

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[ ATUALIZAÇÃO! ] Uma versão ligeiramente alterada deste texto foi publicada no número 37 (junho.2008) da Revista A Rede, e pode ser lida aqui.

Escrevi o texto abaixo para publicação no jornal do centro acadêmico do curso de Computação da universidade onde trabalho, a UESC. Como o jornal não saiu, e até mesmo uma nova equipe já foi eleita, publico o texto aqui.

Abraços a todas e a todos!
Carlão


Quando alguém começa a falar sobre Software Livre, logo entram em cena as comparações com o software proprietário, em especial comparações técnicas: facilidade/dificuldade de instalação e uso, se a placa “x” ou “y” funciona com o sistema operacional “z”, (in)existência do recurso “j” no sistema “k”... as combinações (e as paixões!) são quase infinitas.

Penso que quando a discussão toma esse rumo, ela perde o que deveria ser o foco principal. A rigor, tecnicamente falando, não há diferenças entre um software proprietário e um Software Livre. Um pode ter a característica “x” que falta no outro, porém o outro com certeza terá a característica “y” que falta no primeiro. Ou então, um tem o suporte de milhares de empresas de hardware que se renderam ao monopólio bem sucedido da empresa “m”, mas o outro tem o verdadeiro milagre de ter milhares de programadores ao redor do mundo que disponibilizam os mais diversos drivers para os mais diversos periféricos, as vezes (na maior parte dos casos!) pelo puro prazer da programação e do compartilhamento.

A favor do Software Livre, surge a questão do preço. Apesar do “free” em “Free Software” significar “free speech”, e não “free beer”, a realidade é que o Software Livre é, na grande maioria dos casos, “free beer”. Porém continuo achando que este não é o rumo principal para esta discussão. Ser grátis, obviamente, contribui para resolver a questão da pirataria de software, questão esta que deveria ser de fundamental importância para os alunos da área de Computação, já estes pretendem construir uma carreira profissional nesta área. Ainda assim, isto não é o mais importante.

O objetivo deste texto é refletir sobre o papel do Software Livre em um ambiente educacional. Nesse sentido, o mais importante a ser falado, comentado e discutido sobre Software Livre são os valores fundamentais desta filosofia: Liberdade de conhecimento. Liberdade de uso. Colaboração. Compartilhamento.

O objetivo principal da Universidade não é a formação de um simples profissional “apertador de botões”, que só sabe trabalhar com um software específico, produzido por uma única empresa (a rigor, isto não se chama “profissional”; isto se chama “cliente”!). O objetivo principal da Universidade é, antes de tudo, a formação do cidadão crítico, consciente, capaz de pensar por si próprio; de forma complementar, busca-se a formação de um profissional completo, que realmente domine os conhecimentos fundamentais da sua profissão.

Quando uma disciplina utiliza um software proprietário como base de suas atividades, é simplesmente isso: um “uso”, uma “ferramenta”. O aluno aprende e exercita os conceitos através desta ferramenta, e é só. Alternativamente, se a disciplina baseia suas atividades em um Software Livre, um novo leque de oportunidades e possibilidades se abre para enriquecer a experiência dos alunos: pode-se ter acesso a versão completa do software, a mesma que está sendo utilizada “pra valer” ao redor do mundo, e não a uma simples versão educacional, “trial”, ou o que é pior, pirata; pode-se ter acesso a vários softwares diferentes, para estudar suas diferenças e comparar suas vantagens/desvantagens; pode-se ter acesso a uma quantidade enorme de material de referência, disponível gratuitamente na Internet; pode-se confiar que este material contém informações completas, já que não há segredos que serão disponibilizados apenas pela empresa proprietária do software, em materiais de referência também proprietários e vendidos a preço de ouro; para os mais curiosos, existe a possibilidade de estudar a própria implementação (código-fonte) do software - isto significa não apenas aprender a configurar e usar um certo recurso, mas sim como implementar na prática aquele recurso. Acima de tudo, existe a possibilidade de colaboração, de participação direta dos alunos no desenvolvimento do software, através da criação de novos materiais de referência, utilizando e reportando defeitos, ou até mesmo consertando defeitos. Em resumo, isto tudo significa verdadeiro acesso ao conhecimento.

Concluo, portanto, que a adoção do Software Livre é fundamental para se conseguir uma verdadeira ação educativa, com acesso irrestrito ao conhecimento. Nesse sentido, é necessária uma parceria entre professores e alunos no sentido de operacionalizar cada vez mais a adoção do Software Livre nas diversas disciplinas dos cursos de Ciências da Computação, e até mesmo de outros cursos.

Precisamos tomar uma decisão importante: queremos virar cidadãos críticos e profissionais completos, verdadeiros “cientistas da computação”, ou nos contentaremos apenas com a função de “clientes”, meros “apertadores de botões” ?

A escolha é nossa!

Para o meu visitante Eduardo Melcher Filho

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Eu tinha o texto abaixo, da Cora Coralina, como entrada do meu antigo site de disponibilização de material de aula. Como é muito mais fácil disponibilizar material via "grupos" (do Google ou Yahoo), estou "fechando" o site definitivamente. E para não perder o texto (e deixar de fazer a homenagem), registro por aqui.

Abraços!
Carlão

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Ele me disse:
trabalho com um computador e não estou satisfeito.
Gostaria de ser pintor, compositor, poeta.
Escrever romances, fazer Arte.
Meu elemento de trabalho é por demais mecânico,
insensível, impessoal.

Amigo, disse-lhe em mensagem:
olha bem uma lixeira, um monte de lixo.
Não voltes o rosto enojado,
nem leves o lenço ao nariz ao cheiro acre
que te parece insuportável.
No lixo nauseante há uma vida,
muitas vidas
e na vida haverá sempre sentimento,
vibração e poesia.
Tudo que compõe o lixo veio da terra
e, depois de aproveitado,
usado, espremido e sugado,
volta para a terra.
Milhões de gérmens fazem ali uma química
poderosa e fecundante,
transformando em húmus a matéria orgânica,
repulsiva e rejeitada.
Ela vai fazer seu retorno a terra
num processo perene de transformação
e esta a devolverá a ti
no sabor perfumado de um sorvete de morangos.

Procura sempre a alma oculta do teu computador.
Ele é uma criação maravilhosa da inteligência humana.
Um dia tua sensibilidade a encontrará.
"
Coralina, Cora. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha.
8a. ed. São Paulo: Global, 2001